Imagine a seguinte cena: uma família financia seu imóvel com esforço e sonhos. Por dificuldades financeiras, atrasa algumas parcelas e o imóvel vai a leilão extrajudicial. O problema? O edital do leilão descreve o bem como “terreno”, quando na verdade há uma casa construída sobre ele. O valor de avaliação fica abaixo da realidade, e o imóvel é vendido por preço muito menor do que vale.
Situações como essa têm sido cada vez mais comuns — e os tribunais vêm reconhecendo que erros na descrição do imóvel no edital tornam o leilão nulo, protegendo o consumidor contra o que seria um verdadeiro enriquecimento ilícito do credor ou do arrematante.
O que é um leilão extrajudicial?
O leilão extrajudicial ocorre quando o banco, consórcio ou instituição financeira vende o imóvel de um devedor inadimplente sem precisar recorrer à Justiça, com base na Lei nº 9.514/1997 (alienação fiduciária em garantia).
Após a chamada consolidação da propriedade, o imóvel é levado a leilão para quitar a dívida. Parece simples, mas na prática qualquer erro formal nesse procedimento pode gerar nulidade, principalmente no edital de leilão, que é o documento que descreve o imóvel e orienta os interessados.
Quando o leilão pode ser anulado?
O edital é a alma do leilão. Ele deve conter uma descrição fiel do imóvel — incluindo metragem, localização e, principalmente, benfeitorias e edificações existentes.
Quando o edital omite construções ou descreve o bem de forma incorreta, a consequência é grave: o valor de avaliação fica muito abaixo do real, e o imóvel é vendido por preço vil.
Nessas hipóteses, a Justiça entende que há violação do artigo 886, inciso I, do Código de Processo Civil, que exige que o edital traga a “descrição do bem penhorado, com suas características, situação e divisas”.
O TJ/SP já anulou leilões em que o imóvel foi descrito apenas como terreno, mesmo havendo casa construída — exatamente para evitar enriquecimento sem causa, o que é vedado pelo artigo 884 do Código Civil.
O erro que pode custar caro: o edital desatualizado
Muitos leilões são realizados com base em matrículas antigas, sem averbar as construções feitas posteriormente. Isso é um erro comum — e perigoso.
Se o edital não reflete a realidade atual do bem, o comprador arremata algo de valor muito superior ao preço pago, e o antigo proprietário sofre prejuízo irreversível.
Por isso, o Poder Judiciário tem determinado que, antes de qualquer leilão, seja feita nova avaliação do imóvel, considerando o que realmente existe no local: terreno, casa, edificação ou qualquer acessão.
Como o consumidor pode se proteger da nulidade de leilão extrajudicial
- Verifique o edital com atenção. Compare as informações com a matrícula e com o que existe fisicamente no imóvel.
- Confira se o valor de avaliação é compatível com o mercado. Valores muito abaixo da realidade podem indicar erro.
- Procure orientação jurídica imediatamente. Um advogado especialista em Direito Imobiliário pode pedir a anulação do leilão ou a realização de nova avaliação, evitando a perda indevida do bem.
- Atue rápido. O prazo para contestar o leilão é curto, e agir preventivamente é sempre mais eficaz do que tentar reverter o ato depois de consumado.
Entendimento dos tribunais sobre a nulidade do leilão extrajudicial
Os tribunais, especialmente o TJ/SP, têm reiterado que:
- O edital deve refletir a realidade física e registral do imóvel;
- A omissão de edificações configura erro grave;
- A venda por preço inferior ao valor real gera nulidade dos atos expropriatórios;
- A avaliação correta do bem é condição indispensável para garantir lisura e justiça no procedimento.
Em decisão recente, a Corte paulista determinou a anulação completa dos leilões e do edital, ordenando uma nova avaliação do imóvel com base na realidade física, justamente para impedir o enriquecimento ilícito do arrematante e do credor.
Conclusão: o direito à justa avaliação e à transparência
O leilão extrajudicial é uma ferramenta legítima, mas precisa respeitar os princípios da transparência, da boa-fé e da proporcionalidade. Quando o edital omite informações, o devedor não apenas perde o bem, mas é injustiçado financeiramente.
A boa notícia é que o Judiciário tem atuado com firmeza: erros no edital, ausência de avaliação correta ou omissão de edificações podem anular o leilão e garantir nova chance ao proprietário.
Se você recebeu uma notificação de leilão ou percebeu irregularidades no edital, busque orientação jurídica antes que seja tarde. A lei garante que ninguém pode ser privado do seu patrimônio sem o devido processo e sem uma avaliação justa.
Alan Reis
Advogado inscrito na OAB/SP nº 347.794, especialista em Direito Imobiliário, com mais de 10 anos de experiência. Pós-graduando em DIREITO E NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS pela Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP. Pós-Graduado em DIREITO IMOBILIÁRIO pela Escola Paulista de Direito – EPD. Pós-Graduando em DIREITO CIVIL pela Escola Paulista de Direito – EPD. Ex-Membro da Comissão Estadual de Direito Notarial e Registral da OAB/SP (2019/2021). Ex-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP Subsecção de Hortolândia (2019/2021).